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A Problemática da Convergência em Prol do Acionista

Este capítulo procura estudar e comprovar o movimento da convergência em prol do acionista, que tem se mostrado presente nas alterações legislativas e regulamentares ocorridas dentro dos mercados de valores mobiliários.

Em outras palavras, o objetivo é mostrar com clareza como a atribuição de valor ao acionista, entendendo-se a palavra “valor” como sinônima de “relevância” e de “riqueza”, passou a ser uma meta a ser perseguida pelo direito comercial e pelos regulamentos das bolsas de valores. Relevância implica em respeito às vontades e desejos dos acionistas; riqueza indica existência de aumento de patrimônio para os titulares de participação societária. Para que isso se concretize, faz-se necessário entender quais são os motivos que levam (e levaram) a corporate governance a ser alterada para alcançar esse objetivo.

Realizar uma investigação como essa é uma medida necessária porque, a partir da sua comprovação, será possível entender se a disciplina brasileira dos acordos de acionistas se aproxima ou se distancia do que ocorre na prática internacional; se os impactos que os acordos de acionistas provocam sobre a administração e a supervisão das companhias abertas levam ou não ao resultado de valorização do acionista.

Como já analisado, corporate governance implica em revisão das formas de administração e supervisão societárias. Valorização do acionista é uma das metas que podem ser atingidas com esse ajuste das formas de revisão e administração da companhia. Empregados, comunidade e governo também podem ser valorizados com alterações na corporate governance. Basta lembrar o exemplo da Alemanha e o desejo existente em alguns funcionários públicos de estarem presentes no conselho de administração de companhias consideradas por eles como “estratégicas” (em regra, energia, armas, siderurgia, telecomunicações, etc). Determinados funcionários públicos desejam que o processo decisório das companhias atuantes em setores “estratégicos” seja formado, em parte, com a contribuição de representantes do governo Esse parece ser o motivo que levou à criação, no período anterior à privatização, de uma ação de classe especial no estatuto da Cia. Vale do Rio Doce, de propriedade da União, que lhe daria o direito de veto sobre as seguintes matérias: alteração da denominação social, mudança da sede social, mudança no objeto social no que se refere à exploração mineral, liquidação da sociedade, alienação ou encerramento das atividades de qualquer uma ou do conjunto de etapas dos sistemas integrados de minério de ferro da sociedade..

Uma das primeiras observações que deve ser feita em relação ao tema é que, em todo o mundo, trata-se de assunto extremamente convertido. Não é difícil encontrar posicionamentos distintos sobre a mesma questão: ao interesse de quem deve corresponder o interesse social?

De fato, como lembram WILLIAM T. ALLEN e REINIER KRAAKMAN, não basta que se afirme que os controladores devam se comportar com lealdade perante a companhia, porque essa afirmação estaria mascarando a existência de conflitos perante os grupos diversos de interessados ao redor da companhia (acionistas, credores, empregados, fornecedores e clientes). A idéia, portanto, é que se faz necessário afirmar um valor, um sentido para verificar a adequação da conduta daqueles que administram a companhia. Cf.: “The duty of loyalty requires a corporate director, officer, or controlling shareholder to exercise her institutional power over corporate processes or property (including information) in a good-faith effort to advance the interests of the company. (…) To whom do directors owe loyalty? The short answer is that they owe their duty to the corporation as a legal entity. Yet the meaning of that answer is still disputed today. The “corporation” has multiple constituencies with conflicting interests, including stockholders, creditors, employees, suppliers, and customers. (…) That director loyalty to the “corporation” is, ultimately, loyalty to equity investors is an important theme to U.S. corporate law. Shareholders, after all, elect the board of directors in U.S. corporations, as they do in almost all other jurisdictions. But exactly what additional weight the norm of shareholder primacy carries is not always clear. In fact, shareholder priority more closely resembles a deep but implicit value in American corporate law than a legal rule in any normal sense.” in Commentaries and Cases on the Law of Business Organization, New York, Aspen, 2003, pp. 285-286.

Para não ter recorrer à idéia de valorização dos empregados, é interessante entender a visão que MARGARETH M. BLAIR e LYNN A. STOUT oferecem para o assunto. Os autores propõem um afastamento do modelo de supremacia do acionista, invocando uma visão do direito comercial a partir do conceito de “team production”, isto é, uma produção onde diversos tipos de recursos são utilizados e o produto não é a soma de contribuições separáveis, as quais não pertencem a uma única pessoa. Cf.: “the authors defined team production as “production in which 1) several types of resources are used... 2) the product is not a sum of separable outputs of each cooperating resource …. and 3) not all resources used in team production belong to one person.” In Team Production Theory of Corporate Law in Virgina Law Review 85-2 (1999), p. 265. Aplicando essa idéia às atividades da companhia, os autores procuram demonstrar que a consecução das atividades sociais depende da contribuição feita por grupos específicos de pessoas (não só os acionistas); e que o resultado das atividades sociais não consegue ser dividido em proporção exata da contribuição de cada grupo. Portanto, os autores voltam a tentar considerar a idéia de que os interesses dos acionistas não devem ser os mais protegidos porque não é possível que o resultado social seja atingido somente com essa contribuição. A partir dessa constatação, os autores passam a defender que o direito comercial seja alterado para atribuir poderes não somente aos acionistas (como ocorre com a ação de responsabilidade civil de administradores), mas sim ao conselho de administração, que passaria a ser moldado como um órgão capaz de balancear os interesses de todos os envolvidos, e não apenas tentar fazer cumprir a supremacia do acionista. Cf.: “The team production model provides an alternative answer to the question of why corporate law grants directors of public corporations so much leeway. In particular, it suggests that the legal requirement that public corporations be managed under the supervision of a board of directors has evolved not to reduce agency costs—indeed, such a requirement may exacerbate them—but to encourage the firm-specific investment essential to certain forms of team production. In other words, boards exist not to protect shareholders per se, but to protect the enterprise-specific investments of all the members of the corporate “team,” including shareholders, managers, rank and file employees, and possibly other groups, such as creditors.” in Team Production Theory of Corporate Law cit (nota 42 supra), p. 253. Em posição semelhante, há o artigo de STEPHEN M. BAINDIRDGE, Directors Primacy: the means and ends of corporate governance.

A tese em questão merece ataques porque retoma a discussão sobre a valorização dos stakeholders, já analisada anteriormente. Mas a sua importância está no fato de que demonstra como o assunto ainda rende debates.

Muito do que é discutido sobre a problemática da valorização do acionista já foi discutido no Brasil por ocasião de discussões sobre os conflitos de interesse na formação da vontade social. Como fez, por exemplo, ERASMO VALLADÃO AZEVEDO E NOVAES FRANÇA em Conflito de Interesses nas Assembléias de S.A. Essa discussão tem um lugar especial dentro da doutrina brasileira especialmente em função do fato de que a lei das sociedades por ações, nos artigos 116 e 117, prevê uma sistemática de condutas para o controlador, pela qual suas atribuições devem proteger não apenas os outros acionistas, mas também trabalhadores, a comunidade onde a companhia atua e a economia nacional.

Mas o que há de novo sobre o assunto é redefinição da relação entre interesse social e interesses dos acionistas dentro de uma tendência internacional de mudança, na qual a internacionalização de mercados e investidores acaba por promover um ambiente darwiniano, no qual a não mudança implica na perda de relevância dos mercados de valores mobiliários que não aderem à tendência. O problema, portanto, deixou de ser apenas a resolução de um conflito de interesses e passou a envolver a própria sobrevivência dos mercados.

Convergência de postulados jurídicos, em primeiro lugar, não é um tema novo para o direito comercial, uma vez que suas características incluem o cosmopolitismo e a uniformização. HAROLDO VERÇOSA, a esse respeito, afirmou que essas características clássicas encontram-se enriquecidas nos dias de hoje, estando o cosmopolitismo representado pelo ideal de que o mundo é o campo ideal para a atividade dos comerciantes, e as fronteiras apenas restrições que devem ser superadas; a uniformização se faz presente pela verificação de institutos comuns no âmbito mundial. Cf.: “O Direito Comercial mantém na atualidade – enriquecidas – as características que marcaram seu nascimento e evolução histórica: a) Cosmopolitismo ou internacionalidade: para os comerciantes, o mundo é o campo ideal de suas atividades. As fronteiras são apenas restrições que precisam ser superadas. (...) f) Uniformização: o cosmopolitismo ou a internacionalidade do Direito Comercial reflete-se nesta outra característica, pela constatação, no âmbito mundial, de institutos comuns, regulados por tratados internacionais, ou tão-somente como fruto da elaboração de usos e costumes.” in Curso de Direito Comercial, vol. I, São Paulo, Malheiros, 2004, p. 68. J. X. CARVALHO DE MENDONÇA lembrou que essas características representam o reflexo, na lei, do ideal cosmopolita presente na mente dos comerciantes em levarem consigo suas práticas e hábitos de não encontrarem barreiras para sua atuação. Cf.: “Desse modo, o caráter cosmopolita, próprio do comércio, desconhecendo barreiras internacionais, reflete-se na legislação comercial, proporcionando ensejo à uniformidade. As instituições comerciais são, na verdade, cosmopolitas: as necessidades da vida mercantil de todos os povos são mais ou menos idênticas em determinada época. As legislações apresentam, por isso, pontos de contato e relação entre si. As nações permutam, pode-se dizer, as leis verificadas boas pelas experiências de cada uma.” in Tratado de Direito Comercial Brasileiro (1910), vol. I, Campinas, Bookseller, 2000, p. 295. É do mesmo autor a lembrança sobre a sobrevivência e grande difusão do Código francês de 1807, mesmo após a morte de Napoleão: “Com as conquistas napoleônicas, o Código francês de 1807 difundiu-se por toda a Europa com imensa autoridade. Vidari não deixa de ter razão ao afirmar que este código fora o pai de todos os outros. Em 1º de dezembro de 1808 publicara-se ele na Toscara, e em 21 de dezembro de 1809 em Nápoles (...) Em 1882 votou-se na Itália o novo Código de Comércio que muito não difere quanto à estrutura geral dos Códigos francês e Albertino. Na Bélgica, mandou-se vigorar o Código Comercial francês de 1807 (...) No cantão de Genève, parte francesa da Suíça, o Código comercial francês vigorou até 1883.” (pp. 77-79).

Convergência, portanto, não é uma idéia inédita para o direito comercial. Mas nesse contexto, como entender que é possível afirmar a preponderância do acionista, a aceitação da idéia de que ele é o principal beneficiário da geração de riqueza obtida pela companhia? Como entender que a dupla relação de crédito É possível atribuir o adjetivo de creditícia à relação entre o acionista, especialmente o minoritário, e a companhia. Por crédito deseja-se expressar não apenas o sentido econômico da palavra (oferecer recursos a outrem), mas principalmente o significado moral, que nas palavras de BULGARELLI implica em idéias de confiança, crença. Cf.: “No estudo do crédito podem ser apontadas três acepções: 1. Moral, de conteúdo religioso, revelada pela própria etimologia da palavra, que provem de creditum (credere), portanto crença, confiança, sendo creditor, o crente, o que tem fé.” in Títulos de Crédito, 15ª ed., São Paulo, Atlas, 1999, p. 21. (integralização de capital e votos de confiança) entre o acionista e a companhia deve ser a mais protegida?

Os caminhos que levam à resposta incluem o entendimento de que a valorização do acionista é uma medida estratégica para a proteção de todos os interesses que giram ao redor das atividades da companhia, a tese, um tanto quanto ortodoxa, de HANSMANN e KRAAKMAN sobre o fim da história para o direito comercial, a internacionalização de mercados e investidores e, por fim, a busca por uma convergência funcional dentro do direito comercial. Como medida precedente, deve ser feita uma referência ao tema sobre a existência de interesses diversos em relação à atuação da sociedade.

4.1. Interesse Social e Interessados nas Atividades da Companhia

Para dar resposta que explique o sentido da caminhada em prol da valorização do acionista, em primeiro lugar, deve-se levar em consideração que existem grupos distintos de pessoas com expectativas sobre a companhia. Para cada grupo, haverá algo relacionado à companhia que possa trazer-lhe alguma vantagem material ou moral.

Empregados desejam que a companhia mantenha seus contratos de trabalho em vigor e que a remuneração seja crescente. As comunidades nas quais as atividades empresariais são desenvolvidas também desejam que a companhia seja lucrativa para que os estabelecimentos continuem sendo nelas mantidos, ainda que, para isso, seja necessário não conceder grandes aumentos de salários para os empregados.

Acionistas, por sua vez, desejam que a companhia tenha lucros que possam ser distribuídos sob a forma de dividendos, mesmo que, para tanto, estabelecimentos tenham que ser transferidos de comunidades. Entes federativos, como os estados e os municípios, criaram o que o dizer popular denominou de guerra fiscal para atrair empresas (para a geração de riquezas através da atividade) e sociedades (para o recebimento de tributos, ainda que por intermédio de repartição de receitas tributárias) para seus territórios, nem que para isso seja preciso convencer a administração a tomar uma decisão que desagrade os acionistas.

Controladores, sejam eles os administradores ou os detentores da maioria do capital, não gostam de ver obstáculos para fazerem valer a sua vontade. Ou melhor, para fazerem a companhia seguir o destino por eles desejado, ainda que isso implique em prejuízos e, como conseqüência, problemas e tristeza para empregados, acionistas, comunidade, etc.ANDREA MELIS apresenta uma tabela bem ilustrativa sobre a divisão de riquezas geradas pela sociedade. Esta tabela também serve para indicar como o resultado esperado por uma determinada categoria pode ser impacto pelo aumento do resultado proporcionado para a outra categoria:

Distibuição de riqueza (tradução)
Contratos com para fornecer se refletem em:
Empregados Trabalho Salários e benefícios (auxílio-alimentação, transporte, seguro-saúde, etc)
Fornecedores de bens e serviços bens e serviços Despesas de aquisição
Clientes produtos e serviços receita de vendas
Fornecedores de capital próprio Capital dividendos e outras formas de remuneração
Fornecedores de capital de terceiros Capital Juros
Comunidade local capacidade operacional Tributos
(in Creazione di Valore e Meccanismi di Corporate Governance cit (nota 21 supra), p. 38.

As situações descritas nos parágrafos anteriores demonstram como diversos grupos de interessados se situam ao redor da companhia, e como cada um deles tem o potencial de entrar em conflito com os demais. O conflito, na verdade, é inevitável, como a história já demonstrou exaustivamente.

No mundo ideal (e abstrato), todos os envolvidos receberiam parcelas decorrentes da riqueza gerada pela companhia em quantidade entendida por eles como suficiente. O problema é que a concretização dessa idéia é impossível.

Valorizar uma categoria pode implicar em desvalorizar outra. O exemplo da Alemanha é suficiente para ilustrar como a atribuição de relevância aos empregados atrapalhou a geração de riqueza para os acionistas e, por que não dizer, para todas as demais categorias que deixaram de ganhar (tributos, pagamentos a fornecedores) com a atuação das companhias alemãs, em função da perda de eficiência operacional.

Mesmo dentro do direito americano, segundo WILLIAM T. ALLEN e REINIER KRAAKMAN, a problemática da valorização do acionista ainda não encontrou um resposta definitiva. Os autores afirmam que a valorização do acionista parece mais ser um valor implícito e forte dentro do direito comercial americano, e não uma regra, ainda que a idéia de prevalência do acionista tenha dominado as discussões ao redor do tema. (vide nota 41)

Nesse contexto, como entender a mudança? A primeira ordem de motivos que justifica a valorização do acionista é o entendimento de que essa postura é estratégica, que ela é a que melhor pode aumentar a geração e a distribuição de riqueza para todas as demais.

4.2. A Valorização do Acionista como Medida Estratégica

Um ponto bastante pacífico dentro da doutrina internacional é o que apresenta a sobreposição dos interesses do acionista como a medida mais estratégica que possa ser adotada para o fim de proteger todas as demais categorias de interessados em decorrência da atuação social. A prevalência, portanto, não traz benefícios exclusivos para os acionistas, mas sim deve ser entendida como o melhor caminho para que todos os grupos de interessados possam gozar do maior número possível de benefícios. Um caso de prevalência estratégica.

O grande exemplo de reconhecimento da preponderância do acionista dentro da história do direito comercial é o famoso caso Dodge v. Ford Motor Co. Caso 204 Mich. 459, 170 N.W. 668 (1919)., no qual os irmãos Dodge, então detentores de dez por cento do capital da Ford Motor Company, solicitaram posicionamento judicial que obrigasse o conselho de administração da Ford a declarar a distribuição de dividendos acumulados em grande quantidade.

No caso, o conselho de administração, dominado por Henry Ford, recusava-se a distribuir dividendos, alegando que os ganhos do passado deveriam servir para baratear o preço dos novos carros, auxiliando a companhia a repartir com o público o sucesso do passado. Os irmãos Dodge afirmaram que esse desejo “semi-humánitario” não estava autorizado pelo estatuto da companhia. Os irmãos Dodge saíram-se vitoriosos, tendo a sentença mencionado que a companhia é constituída e exerce suas atividades com o objetivo de gerar dividendos para os acionistas, devendo os poderes dos conselheiros serem empregados para tal fim, não fazendo parte dos poderes do conselho de administração moldar e conduzir os negócios sociais para o beneficio meramente acidental dos acionistas e com o propósito de se beneficiarem outros que não os acionistas. Trechos da decisão: “The directors of a corporation, and they alone, have the power to declare a dividend of the earnings of the corporation, and to determine its amount. Courts of equity will not interfere in the management of the directors unless it is clearly made to appear that they are guilty of fraud or misappropriation of the corporate funds, or refuse to declare a dividend when the corporation has a surplus of net profits which it can, without detriment to its business, divide among its stockholders, and when a refusal to do so would amount to such an abuse of discretion as would constitute a fraud, or breach of that good faith which they are bound to exercise towards the stockholders. (…)It is reasonable to withhold part of the earnings of a corporation in order to increase its surplus fund, when it would not be reasonable to withhold all the earnings for that purpose. The shareholders forming an ordinary business corporation expect to obtain the profits of their investment in the form of regular dividends. To withhold the entire profits merely to enlarge the capacity of the company's business would defeat their just expectations. (…)A business corporation is organized and carried on primarily for the profit of the stockholders. The powers of the directors are to be employed for that end. The discretion of directors is to be exercised in the choice of means to attain that end and does not extend to a change in the end itself, to the reduction of profits or to the nondistribution of profits among stockholders in order to devote them to other purposes. (...) There is committed to the discretion of directors, a discretion to be exercised in good faith, the infinite details of business, including the wages which shall be paid to employees, the number of hours they shall work, the conditions under which labor shall be carried on, and the prices for which products shall be offered to the public. The motives of board members are not material and will not be inquired into by the court so long as their acts are within their lawful powers. It is not within the lawful powers of a board of directors to shape and conduct the affairs of a corporation for the merely incidental benefit of shareholders and for the primary purpose of benefiting others, and no one will contend that if the avowed purpose of directors was to sacrifice the interests of shareholders it would not be the duty of the courts to interfere.” Apesar do tratamento histórico do caso Ford indicá-lo como exemplo de reconhecimento judicial da supremacia do acionista, a doutrina americana também afirma que se trata de um caso não usual, e que outras idéias poderiam estar baseando a decisão de Henry Ford de não distribuir dividendos aos irmãos Dodge. Segundo MARGARET M. BLAIR e LYNN A. STOUT, havia rumores de que o posicionamento de Ford, na verdade, escondia o seu desejo de não alimentar os irmãos Dodge, que estavam tomando as primeiras medidas para a construção de uma outra companhia dedicada a produção de carros; a decisão judicial, por sua vez, teria sido baseada no desejo dos tribunais aumentarem a concorrência dentro desse segmento da economia americana. Cf.: “As a number of scholars have pointed out, homewer, Dodge v. Ford Motor Co., was a highly unusual case. The Dodge brothers wanted cash dividends from Ford in order to start a competing business, and there was a strong evidence of Henry Ford’s hostility toward them as potential competitors. Accordingly, Ford’s unapologetic claim that he wanted to retain cash to benefit other stakeholders may have been simply a provocative red herring. The real tension in the case may not have been between shareholders and stakeholders, but between two groups of shareholders. – nota 132: The courts may also have been concerned about the antitrust implications of Ford’s preventing the Dodge brothers fro competing with him.” in A Team Production of Corporate Law cit (nota 42 supra), p. 212-213. Entretanto, segundo WILLIAM T. ALLEN e REINIER KRAAKMAN, apesar do caso Ford representar uma das poucas decisões em que os tribunais americanos foram chamados a opinar sobre a questão, um posicionamento adotado pelos controladores da companhia que leve à valorização de outros que não acionistas poderia estar imune a ataques se ficasse entendido que essa postura estava sendo adotada como um projeto de longo-prazo para aumentar a riqueza gerada pela companhia. Cf.: “Dodge, however, is one of few decisions by a U.S. court to enforce shareholder primacy as a rule of law. (…) A board’s decision today to use retained earnings to fund investments, price reductions, or even increased employee wages would easily be justified as a device to increase long-term corporate earnings and, as such, would be immune from shareholder attack. A question of loyalty would arise only in the odd circumstance that the board claimed to advance nonshareholder interests over those of shareholder.” in Commentaries and Cases on the Law of Business Organization cit (nota 41 supra), p. 287.

Mas, mesmo assim, por que valorizar o acionista? Valorizar o acionista parece ser a melhor opção porque a medida implica, necessariamente, em valorização de todas as demais categorias. O acionista recebe o dividendo. Para que o dividendo exista é necessário que exista lucro a ser distribuído entre os acionistas. Lucro deve ser entendido como sinônimo de sucesso das atividades sociais. Quanto maior for esse sucesso, maior será a contratação de empregados, a parcela por eles recebida a título de participação nos lucros, a contratação de fornecedores, o pagamento de tributos, etc.

Dividendo depende da existência de lucros, e lucros somente existem quando as obrigações da companhia já foram devidamente quitadas. Olhando-se com detalhe, acionistas são os últimos a receberem o que lhes interessa em decorrência da atividade social. Para que o pagamento do dividendo ocorra, é necessário que, anteriormente, remuneração de empregados, contraprestação de fornecedores, tributos e débitos com credores tenham sido quitados.

Entender a importância de se valorizar o acionista é uma medida que requer esforços de entendimento da realidade, com pouca abstração. Debates podem surgir sobre a necessidade de se valorizar outros que não o acionista. Mas pesquisas empíricas podem demonstrar qual é o resultado factível dessa tomada de postura.

Uma análise meramente contábil, portanto, conseguirá evidenciar como a valorização do acionista se mostra como medida estratégica.

Se não ocorrer o pagamento devido a esses outros grupos de interessados, a companhia não poderá pagar o acionista. Em palavras mais simples, quanto maior for o pagamento do dividendo, em regra, maior terá sido anteriormente os pagamentos feitos aos demais interessados. O exemplo da montadora de automóveis que, em ano de grande sucesso de vendas, distribui quantia grande de dividendos ilustra essa idéia.

Por outro lado, a experiência comum dos homens também deve ser invocada para registrar que, a partir do momento em que uma companhia vai ao público solicitar que adquira seus valores mobiliários, a sociedade está aceitando que as pessoas somente irão subscrever capital se possuírem a expectativa de receberem algo em troca, receberem algo que maximize o investimento feito anteriormente.

O que a história já demonstrou é que a valorização de outras categorias que não a do acionista acaba por destruir, ou ao menos dificultar, a participação da companhia dentro de um ciclo virtuoso de geração de riqueza, além de dificultar o desenvolvimento do mercado de valores mobiliários, atrapalhando, por conseqüência, a possibilidade da economia nacional gozar os benefícios decorrentes da existência de um mercado de valores mobiliários, cujas explicações foram apresentadas no capítulo 2.

A história brasileira, a esse respeito, parece já ter fornecido elementos que permitem conclusões. Em relação à prevalência de interesses dos trabalhadores, deve-se atentar para o fato da fragilidade da opção de existência de um representante dos empregados no conselho de administração. De fato, parece que somente companhias privatizadas contemplam essa possibilidade nos seus estatutos, que foram alterados no período imediatamente anterior à privatização. A participação dos empregados no conselho de administração de companhias abertas não foi desenvolvida desde a lei das sociedades por ações (art. 140) foi alterada em 2001, pela lei 10.303 para tal fim.

A valorização dos interesses dos controladores, em prejuízo dos minoritários (e em decorrência, do mercado de valores mobiliários), como já ocorrido com a edição original da lei das sociedades por ações de 1964, também indica que a idéia de se atribuir poder a um determinado grupo, sem respeitar os demais (incluindo os acionistas minoritários) apenas causa a geração de riqueza para esse grupo, sem distribuição. Mais comentários sobre os grupos beneficiados pela edição original da lei 6.404 estão presentes no capitulo 5.

Por tudo, valorização do acionista é uma medida estratégica que, também, representa a supremacia de um modelo em relação aos demais. O item a seguir explica a derrocada dos demais modelos.

4.3. O Fim da História para o Direito Comercial

Outro caminho que leva à identificação da prevalência do acionista é o exame da tese de HENRY HANSMANN e REINIER KRAAKMAN porque os autores, de uma forma um tanto quanto ortodoxa, anunciam nada menos que o próprio fim da história para o direito comercial, assim entendido o fim das distinções entre a disciplina jurídica ao redor do mundo, como se houvesse uma caminhada para uma situação de total convergência entre os ordenamentos para atingir o fim da valorização do acionista. Cf.: The end of history for corporate law, in JEFFREY N. GORDON e MARK J. ROE (org.), Convergence and Persistence in Corporate Governance, Cambridge, Cambridge University Press, 2004, pp. 33-68.

Como síntese do pensamento dos autores, o fim da história para o direito comercial teria três causas: a colocação do interesse do acionista como principal a ser protegido pelo direito comercial, a conseqüente criação da categoria dos acionistas Especificadamente, o que os autores procuram demonstrar é que os acionistas passariam a compor uma categoria que possuiria interesses individuais homogêneos (decorrentes de origem comum), de forma bem semelhante ao que ocorre com a previsão do art. 81, inc. III do Código de Defesa do Consumidor (Defesa Coletiva em Juízo)., que se mostrará influente, e a internacionalização de mercados.

Contra a tese de HANSMANN e KRAAKMAN, talvez o principal argumento que possa ser apresentado é que a convergência de postulados ainda não conseguiu provar ser inabalável. É que crises econômicas nacionais, em regra, fazem com que o direito nacional volte para suas origens, deixando de fazer parte do movimento de convergência. Entretanto, a tese dos autores é extremamente importante porque ela demonstra a derrocada de todos os modelos alternativos aos da valorização do acionista. A doutrina ainda não apresentou respostas específicas para esta tese.

Iniciando pela explicação sobre a colocação do interesse do acionista como principal a ser protegido pelo direito comercial, os autores afirmam que a prevalência ocorreu, em primeiro lugar, pela derrocada dos modelos que tentaram conferir proteção para os demais interessados. Essa derrocada aconteceu da seguinte forma, segundo HANSMANN e KRAAKMAN:

(1) o modelo de predominância do administrador, existente dos EUA entre as décadas de 30 e 60, e que contou com o apoio de GALBRAITH e ADOLF BERLE, previa a concessão de enormes poderes de determinação dos negócios sociais para os administradores, com base na idéia de que ninguém melhor do que eles para trabalharem como verdadeiros tecnocratas que dariam às companhias o destino que melhor se relacionasse com o interesse do público em geral (acionistas, trabalhadores, etc). O uso desse poder para trazer benefícios para os próprios administradores, em detrimento da companhia, levou ao fim dessa visão. Cf.: “In the US there existed an important strain of normative thought from the 1930s through the 1960s that extolled the virtues of granting substantial discretion to the managers of large business corporations. Merrick Dodd and John Kenneth Galbraith, for example, were conspicuously identified with this position, and Adolph Berle came to it late in life. At the core of this view was the belief that professional corporate managers could serve as disinterested technocratic fiduciaries who would guide business corporations to perform in ways that would serve the general public interest. (…) The collapse of the conglomerate movement in the 1970s and 1980s, however largely destroyed the normative the normative appeal of the managerialist model. It is now the conventional wisdom that, when managers are given great discretion over corporate investment policies, they mostly end up serving themselves, however well intentioned they may be. While managerial firms may be in some ways more efficiently responsive to nonshareholder interests than are firms that are more dedicated to serving their shareholders, the price paid in inefficiency of operations and excessive investment in low-value projects is now consider too dear.” in The end of history for corporate law cit (nota 54 supra), p. 36-37.

(2) o modelo de predominância dos trabalhadores, surgido em 1951 na Alemanha, previa a participação direta de trabalhadores na escolha de membros do conselho de administração, com o objetivo de melhorar as relações de longo prazo que estão presentes entre trabalhadores e as grandes empresas, as quais não são satisfatoriamente protegidas pelo contrato de trabalho ou pela negociação coletiva. Com o passar dos anos, esse modelo perdeu importância porque ficou constatado que a participação direta dos trabalhadores na gestão social tende a produzir decisões pouco eficientes para a própria companhia, paralisia dos conselhos, e que os custos desses resultados são superiores a qualquer possível ganho que a participação dos trabalhadores poderia trazer. Atualmente, é difícil acreditar que esse método, chamado de co-gestão, seja aplicado fora da Europa. Cf.: “Large-scale enterprise clearly presents problems of labor contracting. Simple contracts, and the basic doctrines of contract law, are inadequate in themselves to govern the long-term relationships between workers and the firms that employ them –relationships that may be afflicted by, among other things, substantial transaction-specific investments and asymmetries of information. Collective bargaining via organized unions has been one approach to those problems -- an approach that lies outside corporate law, since it is not dependent on the organizational structure of the firms with which the employees bargain. Another approach has been to involve employees directly in corporate governance by, for example, providing for employee representation on the firm’s board of directors. Although serious attention was given to employee participation in corporate governance in Germany as early as the Weimar Republic, unionism was the dominant approach everywhere until the Second World War. Then, after the War, serious experimentation with employee participation in corporate governance began in Europe. The results of this experimentation are most conspicuous in Germany where, under legislation initially adopted for the coal and steel industry in 1951 and extended by stages to the rest of German industry between 1952 and 1976, employees are entitled to elect half of the members of the (upper-tier) board of directors in all large German firms. While this German form of “codetermination” has been the most far-reaching experiment, a number of other European countries have also experimented with employee participation in more modest ways, giving employees some form of mandatory minority representation on the boards of large corporations. Enthusiasm for employee participation crested in the 1970s with the radical expansion of codetermination in Germany and the drafting of the European Community’s proposed Fifth Directive on Company Law, under which German-style codetermination would be extended throughout Europe. (…) Since then, worker participation in corporate governance has steadily lost power as a normative ideal. Despite repeated watering-down, Europe’s Fifth Directive has never become law, and it now seems highly unlikely that German-style codetermination will ever be adopted elsewhere. The growing view today is that meaningful direct worker voting participation in corporate affairs tends to produce inefficient decisions, paralysis, or weak boards, and that these costs are likely to exceed any potential benefits that worker participation might bring. The problem, at root, seems to be one of governance. While direct employee participation in corporate decision-making may mitigate some of the inefficiencies that can beset labor contracting, the workforce in typical firms is too heterogeneous in its interests to make an effective governing body – and the problems are magnified greatly when employees must share governance with investors, as in codetermined firms. In general, contractual devices, whatever their weaknesses, are (when supplemented by appropriate labor market regulation) evidently superior to voting and other collective choice mechanisms in resolving conflicts of interest among and between a corporation’s investors and employees. Today, even inside Germany, few commentators argue for codetermination as a general model for corporate law in other jurisdictions. Rather, codetermination now tends to be defended in Germany as, at most, a workable adaptation to local interests and circumstances or, even more modestly, as an experiment of questionable value that would now be politically difficult to undo.” in The end of history for corporate law cit (nota 54 supra), pp. 37-38.

(3) o modelo de predominância dos interesses do Estado, surgido no período posterior à Segunda Guerra Mundial, especialmente na França, Japão e países socialistas, previa uma grande interferência estatal sobre os destinos das companhias de um país, o que de certa forma era garantido pela retirada de prerrogativas dos acionistas monitorarem as atividades dos administradores. Por esse modelo, o Estado passaria a se valer de mecanismos como concessão de crédito, regras sobre comércio exterior, outorga de licenças e exceções a regras concorrenciais para ir direcionando as atividades empresariais. A perda de importância deste modelo ocorreu com a saída de cena das ideologias de esquerda presentes na Europa, derrocada do Tatcherismo no Reino Unido nos anos 70 e as privatizações da era Mitterrand dos anos 80. Os péssimos resultados da Economia do Japão após 1989, bem como de outros países asiáticos, colocou o modelo no ostracismo. Cf.: “Both before and after the Second World War, there was widespread support for a corporatist system in which the government would play a strong direct role in the affairs of large business firms to provide some assurance that private enterprise would serve the public interest. Technocratic governmental bureaucrats, the theory went, would help to avoid the deficiencies of the market through the direct exercise of influence in corporate affairs. This approach was most extensively realized in post-war France and Japan. (…) The strong performance of the Japanese economy, and subsequently of other state-guided Asian economies, lent substantial credibility to this model even through the 1980s. The principal instruments of state control over corporate affairs in corporatist economies have generally lain outside of corporate law. They include, for example, substantial discretion in the hands of government bureaucrats over the allocation of credit, foreign exchange, licenses, and exemptions from anticompetition rules. Nevertheless, corporate law also played a role by, for example, weakening shareholder control over corporate managers (to reduce pressures on managers that might operate counter to the preferences of the state) and employing state-administered criminal sanctions rather than shareholder-controlled civil lawsuits as the principal sanction for managerial malfeasance (to give the state strong authority over managers that could be used at the government’s discretion). But the state-oriented model, too, has now lost most of its attraction. One reason is the move away from state socialism in general as a popular intellectual and political model. Important landmarks on this path include the rise of Thatcherism in England in the 1970s, Mitterand’s abandonment of state ownership in France in the 1980s, and the sudden collapse of communism nearly everywhere in the 1990s. The relatively poor performance of the Japanese corporate sector after 1989, together with the more recent collapse of other Asian economies that were organized on state corporatist lines, has now discredited this model even further. Today, few would argue that giving the state a strong direct hand in corporate affairs has much normative appeal.” in The end of history for corporate law cit (nota 54 supra), pp. 39-40. Trata-se de um modelo parcialmente existente no setor aéreo brasileiro, no qual existem sociedades que se dispõem a atender os anseios do Governo (ex.: criação de linha para um determinado país que o Governo julgue estratégico, apoio em missões oficiais, etc), em troca de favores governamentais: não cobrança “fática” de tributos e tarifas públicas, obtenção de empréstimos, eventual monopólio, etc.

(4) o modelo de predominância dos stakeholders a expressão “stakeholders” pode ser traduzida como sendo o grupo de pessoas interessadas no andamento dos negócios de uma companhia, porque podem sofrer conseqüências positivas ou negativas da sua atuação., assim entendidos todos aqueles que podem sofrer impactos decorrentes da atuação da empresa, como acionistas, empregados, consumidores, comunidade ao redor, teve o seu crescimento no final do século XX, representando um ideal de atuação normativa para que esses grupos não sofressem impactos negativos da atuação empresarial, a ocorrer especialmente quando o modelo de predominância do acionista atribuía poderes de fiscalização dos negócios sociais somente à essa categoria. Duas formas de efetivação do modelo de predominância dos stakeholders foram propostas: a eleição de representantes dessas categorias para o conselho de administração, como forma de se contrabalancear aos acionistas, ou o entendimento de que o conselho de administração, mesmo sem contar com representantes das categorias, poderia funcionar como um órgão capaz de fazer os negócios sociais serem conduzidos sem causar impactos negativos para os diversos interessados na empresa. Como esse modelo apresenta elementos próprios do modelo de proteção aos empregados e do modelo de proteção aos interesses do Estado, as mesmas deficiências desses modelos podem ser aplicadas. Na prática, a história tem demonstrado que a eleição de membros pelas categorias trouxe o mesmo problema de ineficiência na tomada de decisões pelos conselheiros presente no modelo de proteção aos empregados; assim como a previsão de funcionamento do conselho como órgão capaz de contrabalancear os interesses envolvidos não se mostrou presente na prática, mesmo porque seria extremamente difícil para o Judiciário analisar e concluir sobre a conduta de conselheiros estar ou não atendendo à essa regra de atender a todas as categorias envolvidas. Cf.: “Over the past decade, the literature on corporate governance and corporate law has sometimes advocated “stakeholder” models as a normatively attractive alternative to a strongly shareholder-oriented view of the corporation. The stakeholders involved may be employees, creditors, customers, merchants in a firm’s local community, or even broader interest groups such as beneficiaries of a well-preserved environment. The stakeholders, it is argued, will be subject to opportunistic exploitation by the firm and its shareholders if corporate managers are accountable only to the firm’s shareholders; corporate law must therefore assure that managers are responsive to stakeholder interests as well. While stakeholder models start with a common problem, they posit two different kinds of solutions. One group of stakeholder models looks to what we term a “fiduciary” model of the corporation, in which the board of directors functions as a neutral coordinator of the contributions and returns of all stakeholders in the firm. Under this model, stakeholders other than investors are not given direct representation on the corporate board. Rather, these other stakeholders are to be protected by relaxing the board’s duty or incentive to represent only the interests of shareholders, thus giving the board greater discretion to look after other stakeholders’ interests. (…) The second group of stakeholder models substitutes direct stakeholder representatives for fiduciary directors. In this “representative” model of the corporation, two or more stakeholder constituencies appoint representatives to the board of directors, who then elaborate policies that maximize the joint welfare of all stakeholders, subject to the bargaining leverage that each group brings to the boardroom table. In this case the board functions ideally as a kind of collective fiduciary, even though its individual members remain partisan representatives. The board of directors (or supervisory board) then becomes an unmediated “coalition of stakeholder groups” and functions as “an arena for cooperation with respect to the function of monitoring the management” as well as an arena for resolving “conflicts with respect to the specific interests of different stakeholder groups.” Neither the fiduciary nor the representative stakeholder models, however, constitute at bottom a new approach to the corporation. Rather, despite the new rhetoric with which the stakeholder models are presented, and the more explicit economic theorizing that sometimes accompanies them, they are at heart just variants on the older manager oriented and labor-oriented models. Stakeholder models of the fiduciary type are in effect just reformulations of the manager-oriented model, and suffer the same weaknesses. While untethered managers may better serve the interests of some classes of stakeholders, such as a firm’s existing employees and creditors, the managers’ own interests will often come to have disproportionate salience in their decision-making, with costs to some interest groups – such as shareholders, customers, and potential new employees and creditors – that outweigh any gains to the stakeholders who are benefited. Moreover, the courts are evidently incapable of formulating and enforcing fiduciary duties of sufficient refinement to assure that managers behave more efficiently and fairly. Stakeholder models of the representative type, in turn, closely resemble yesterday’s labor-oriented model -- though generalized to extend to other stakeholders as well – and are again subject to the same weaknesses. The mandatory inclusion of any set of stakeholder representatives on the board is likely to impair corporate decision-making processes with costly consequences that outweigh any gains to the groups that obtain representation.” in The end of history for corporate law cit (nota 54 supra), pp. 40-42.

Da “queda” dos demais modelos Uma explicação terminológica se mostra oportuna: a predominância de uma determinada categoria dentro do direito societário recebe o nome de interesse no Brasil (interesse da empresa em si, dos empregados, consumidores, etc.). Já nos Estados Unidos, fala-se em “modelos”, querendo designar disciplinas jurídicas cujos resultados protejam uma determinada categoria., surgiu a predominância do modelo de proteção do acionista. E é a partir desse ponto que a tese de HANSMANN e KRAAKMAN começa a ser extremamente útil no auxílio para o entendimento do direito comercial nos dias de hoje.

Em primeiro lugar, segundo os autores, falar em supremacia do modelo de proteção do acionista representa a aceitação da idéia de que a proteção às pessoas que potencialmente poderão sofrer conseqüências da atuação empresarial (stakeholders) está fora do direito societário, cabendo a cada ramo específico (direito do trabalho, do consumidor, ambiental, etc) promover a proteção das respectivas categorias. Neste ponto, percebe-se um ponto de partida extremamente importante para os estudos do direito comercial: a necessidade de se evitar colocar dentro do direito comercial meios de proteção próprios de outros ramos. Cf.: “This is not to say that there is agreement that corporations should be run in the interests of shareholders alone, much less that the law should sanction that result. All thoughtful people believe that corporate enterprise should be organized and operated to serve the interests of society as a whole, and that the interests of shareholders deserve no greater weight in this social calculus than do the interests of any other members of society. The point is simply that now, as a consequence of both logic and experience, there is convergence on a consensus that the best means to this end -- the pursuit of aggregate social welfare -- is to make corporate managers strongly accountable to shareholder interests, and (at least in direct terms) only to those interests.” in The end of history for corporate law cit (nota 54 supra), pp. 42-43.

Em segundo lugar, HANSMANN e KRAAKMAN também argumentam que a supremacia do modelo de proteção do acionista envolve algumas outras questões mal resolvidas dentro do direito societário: a proteção aos acionistas minoritários e a proteção de todos os acionistas contra desmandos de administradores, esta sendo uma situação mais própria de países com dispersão do capital. Segundo os autores, o fundamento dessa proteção é o fato de que a proteção dos acionistas é a melhor forma de se proteger a companhia e, com isso, promover os ganhos de riqueza social que delas se espera. Em resumo, proteger acionistas é um meio de se proteger os interesses dos não acionistas mas também interessados na gestão da empresa, interesses que seriam altamente prejudicados caso desmandos de controladores e administradores se mostrarem presentes.

Como continuação do seu pensamento, em resumo, os autores afirmam que a predominância do acionista levará à formação de uma categoria que se mostrará atuante por todo o mundo, exigindo mudanças legais que favoreçam ainda mais a sua posição contra desmandos dos administradores e controladores. Desse crescimento, aliado à internacionalização dos mercados, passaria a existir, para os autores, um ambiente darwiniano, no qual a companhia ou o país que não protegesse seus acionistas estaria levando seu mercado de valores mobiliários à morte.

HANSMANN e KRAAKMAN, como pode ser percebido, acreditam muito na convergência de modelos, a partir da idéia de supremacia da proteção do acionista. Não se pode negar que a tese dos autores tem a grande utilidade de analisar os diversos modelos existentes, e explicar o seu andamento ao longo dos tempos recentes.

Como dito, o tema da valorização do acionista, identificado com o tema do interesse social, é extremamente discutido nos dias de hoje. Na linha de se aproveitar a experiência do passado, a tese dos autores é muito útil porque ilustra como a adoção de outros modelos não auxiliou no processo de geração de riqueza que espera das companhias.

4.4. A Internacionalização de Mercados e Investidores

O tema da convergência também pode ser analisado e comprovado tendo-se por base a verificação da internacionalização de mercados e de investidores. De fato, esse é o terceiro argumento proposto por HANSMANN e KRAAKMAN. A internacionalização de mercados é representada pela listagem de companhias nacionais em uma bolsa de valores estrangeira A título de ilustração, basta lembra que, em maio de 2005, na bolsa de valores de Nova Iorque (New York Stock Exchange), havia 37 títulos emitidos por companhias brasileiras sendo lá negociados sob a forma de American Depositary Receipts. O Brasil era o país com o maior número de títulos listados na América Latina (excluindo Caribe, Porto Rico e Bermudas), sendo seguido pelo Chile (20) e pelo México (19). No total, 524 títulos de companhias estrangeiras estão listados na NYSE, juntamente com 3.088 emitidos por companhias americanas.. A internacionalização de investidores mostra-se presente através da presença crescente de investidores internacionais negociando valores mobiliários em países estrangeiros.

Internacionalização de mercados e de investidores é uma conseqüência do atual estágio da globalização econômica e, em especial, do barateamento das comunicações e do acesso à informação. Importante, desse período, é a lembrança, feita por OTAVIO IANNI, de modificação das relações de espaço e tempo, como conseqüência da agilização das comunicações, mercados, fluxos de capitais e tecnologias, intercâmbio de idéias e imagens, modificando os parâmetros herdados sobre a realidade social, o modo de ser das coisas, o andamento do devir, como se o planeta Terra pudesse, agora, ser concebido como plenamente esférico, ou plenamente plano, “dá na mesma”. Cf.: “Desde que se acelerou o processo de globalização do mundo, modificaram-se as noções de espaço e tempo. A crescente agilização das comunicações, mercados, fluxos de capitais e tecnologias, intercâmbio de idéias e imagens, modifica os parâmetros herdados sobre a realidade social, o modo de ser das coisas, o andamento do devir. Agora o planeta Terra pode ser concebido como plenamente esférico, ou plenamente plano, dá na mesma.” in Teorias da Globalização, 8ª ed., Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2000, pp. 209-211.

Sob a ótica dos investidores, a realização de investimentos fora do seu país de origem tornou-se algo fácil de ser realizada porque o acesso às informações sobre as companhias e seus ambientes de atuação tornou-se barato e rápido. De fato, olhando-se para a história dos homens de negócios, parece que seria impossível a repetição, nos dias de hoje, de certos eventos como os ocorridos com o Barão de Mauá, que só tomou conhecimento da morte do seu sócio inglês após ter viajado de navio para a Inglaterra; e com Nathan Rothschild que, da França, sabedor em primeira mão da derrocada de Napoleão em Waterloo, enviou uma mensagem via pombo correio para Londres, comunicando a notícia, ainda não difundida na City, e instruindo seu escritório de lá a comprar ações de companhias inglesas, cujos valores subiram quando o anúncio da vitória inglesa chegou em território britânico.

Portanto, investidores conseguem obter informações sobre companhias nacionais e efetuar negócios em bolsas estrangeiras de maneira rápida e barata nos dias de hoje. Como conseqüência interessante, os investidores passaram a carregar consigo certos anseios sobre as práticas de administração e supervisão societárias.

Como lembram BEBCHUK e ROE, em função da globalização, investidores passaram a encarar as formas de gestão e supervisão societárias com a mesma atenção dada aos ativos da empresa Cf.: “It might be thought that the advanced economies should by now display similar patterns of corporate structure. Companies in these countries face similar governance problems. All large-scale firms share some key common functions: Capital must be gathered, management must be selected and disciplined, and information must be transmitted to core decision makers (…) A firm that did not adopt the best structure would be hurt either in its profits and value or in its ability to raise new capital. Countries that fail to adopt efficient rules would inflict costs on their corporations, which would then be worth less and would then be less able to raise capital (…) Another way of stating the above view is that, as efficient new technologies can spread rapidly, one might expect (by analogy) that new corporate technologies, if better, should spread rapidly. Corporate governance could be seen as a technology— similar to a manufacturing technique, an inventory management system, or an engineering economy of scale—and firms face powerful incentives to adopt the best corporate technologies possible” in A Theory of Path Dependence in Corporate Governance and Ownership, in J. N. GORDON e M. J. ROE (org.), Convergence and Persistence in Corporate Governance, Cambridge, Cambridge University Press, 2004, pp. 74-75.. E como investidores desejam negociar com valores mobiliários de companhias comprometidas com a geração de riqueza, começa a ficar “palpável” a idéia de que a mudança deveria ser feita para que houvesse a convergência para essa idéia. É por isso que a corporate governance está em discussão em todo o mundo (GORDON e ROE). Cf.: “Corporate Governance is on the reform agenda all over the world. The remarkable political economy of the post-Cold War has made both democracy and market-oriented capitalism ascendant, even if not inevitably linked. (...) Even if private corporate governance characteristics continue to differ, the most general of economic contrasts – private vs. government direction – is fading.” in Convergence e Persistence in Corporate Governance cit (nota 10 supra), p. 1.

Sociedades anônimas, no passado, já foram chamadas por RIPERT de máquinas (jurídicas) tão úteis para o sucesso empresarial quanto as utilizadas para a manufatura, feitas para coletar e conquistar a economia em favor das próprias empresas Cf.: “A sociedade anônima é um instrumento maravilhoso criado pelo capitalismo moderno para coletar a economia em favor da fundação e da exploração das empresas. É ridículo, já o disse, ver apresentar como fim de reforma das sociedades a defesa da economia. A sociedade por ações não foi construída para defendê-la mas para conquistá-la. É uma máquina jurídica tão útil quanto as que a indústria utiliza.” in Aspects Juridiques du Capitalism Moderne cit (nota 1 supra), p. 128.. Entretanto, já não basta apenas adotar o tipo da anônima, deve a companhia apresentar formas de administração e supervisão que sejam vistas como interessantes aos olhos do público investidor, que seleciona de forma darwiniana aquelas nas quais deseja realizar aporte de investimentos.

Por isso, a internacionalização de mercados e de investidores trouxe consigo uma nova “onda” de exigências por parte dos investidores por ocasião da escolha de sociedades onde iriam aportar capital ou, ao menos, negociar valores mobiliários.

Como um critério intensificador dessa idéia, a ocorrência de um processo de fusões, incorporações e aquisições, que tem se mostrado presente dentre as bolsas de valores no começo do século XXI, nada mais fez do que auxiliar na difusão dessas idéias. Para ilustrar o ocorrido, basta lembrar os fatos listados a seguir.

Em setembro de 2000, foi oficializada a criação da EURONEXT, que é o resultado da fusão entre as bolsas de valores de Amsterdam (Amsterdam Exchanges), Bruxelas (Brussels Exchanges) e Paris (Paris Bourse). Essa foi a primeira fusão de três bolsas de diferentes países. A mesma EURONEXT foi engrandecida, posteriormente em 2002, com a aquisição da Bolsa Internacional de Futuros e Opções de Londres (London International Financial Futures and Options Exchange) e com a fusão com a Bolsa de Valores de Lisboa e Porto.

A fusão das bolsas de valores de Londres e de Frankfurt, cuja união daria origem à denominada iX – International Exchanges, foi um dos eventos mais discutidos e exemplificativos do processo de integração de bolsas de valores. Entretanto, tal fusão acabou não se realizando. Após o anúncio do fracasso da operação, o OM Guppen (bolsa da Suécia) fez uma oferta hostil para aquisição do controle da Bolsa de Londres. A referida aquisição também não se concretizou. A mesma bolsa de Londres tem, periodicamente, estado envolvida em outras tentativas de fusão ou aquisição com outras bolsas de valores da Europa continental.

Em 2005, a tradicional bolsa de Nova Iorque (New York Stock Exchange) anunciou sua fusão com a bolsa eletrônica Archipelago, também americana. De interessante dessa fusão é o fato de que a bolsa de Nova Iorque alterou sua estrutura jurídica que vigorava há séculos, passando de associação para sociedade anônima após esse processo.

No final do ano 2000, as nove bolsas de valores existentes i) Bolsa de Valores de São Paulo, (ii) Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, (iii) Bolsa de Valores de Minas, Espírito Santo e Brasília – BOVMESB; (iv) Bolsa de Valores do Extremo Sul – BVES; (v) Bolsa de Valores do Paraná – BVPR; (vi) Bolsa de Valores da Bahia, Sergipe e Alagoas – BVBA; (vii) Bolsa de Valores de Pernambuco e Paraíba – BVPP; (viii) Bolsa de Valores Regional – BVRG, representando Ceará e Rio Grande do Norte; e, (ix) Bolsa de Valores de Santos – BVST. no Brasil assinaram um protocolo de reorganização do mercado, pelo qual toda a negociação de valores mobiliários ficou concentrada nas bolsas de valores de São Paulo (títulos privados) e do Rio de Janeiro (títulos públicos). Para o entendimento do processo de integração das bolsas nacionais vide nosso A Integração das Bolsas Nacionais e o Aumento de Competitividade, in RDM 121 (2001).

Como uma das conseqüências da integração das bolsas de valores foi uma busca pela uniformização das regras de listagem, além da facilitação da atuação de investidores estrangeiros, parece claro como ficou forte a busca por formas especiais de administração e supervisão societárias, que trariam consigo o objetivo da valorização do acionista.

Mas será possível afirmar que o direito comercial dos países, mesmo reconhecendo essa situação, está sendo facilmente alterado nesse sentido? A discussão sobre a convergência formal e a convergência funcional do direito comercial fornece alguns subsídios para a resposta. A sua respectiva análise será feita após o exame da path dependence.

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